Um sobrinho curioso, revirando o espólio do tio famoso morto. Um irmão zeloso e de bom gosto, e extremamente entusiasmado com o material encontrado. O resultado é “Notes from San Francisco”, uma gravação esquecida de Rory Gallagher lançada timidamente em 2011 e que será reeditada na Europa em 2015
Guitarrista irlandês prolífico e extremamente virtuoso, Gallagher integrou o trio Taste antes de embarcar em uma fantástica carreira solo que durou até 1995, quando morreu em consequência de um malsucedido transplante de fígado.
“Notes from San Francisco” é um CD duplo de qualidade excepcional. Reúne material de uma sessão de gravação de Gallagher ocorrida em 1977 na cidade da costa oeste dos Estados Unidos. O material deveria se tornar o o álbum que seria lançado no ano seguinte, mas as gravações foram abandonadas.
Segundo declarações do próprio músico no início dos anos 90, ele não tinha ficado satisfeito com as composições e menos ainda com as gravações e mixagem das músicas. Sem entrar em detalhes, revelou a uma revista inglesa à época que houve “muitas complicações” na hora de editar e mixar o material devido a “erros na captação de vários sons”.
Encontradas por Daniel Gallagher, sobrinho de Rory, as gravações foram retrabalhadas sob supervisão de Donál Gallagher, pai de Daniel, irmão de Rory e curador do legado musical do músico.
Quem ouve o primeiro CD, dedicado a essas gravações, fica espantado com a alta qualidade do material. É evidente que o tratamento de mixagem e masterização a que as músicas foram submetidas mas, seja como for, é incompreensível que Rory Gallagher tenha ficado insatisfeito com as composições ou até mesmo com a performance de sua banda ao gravar. O material é excelente.
Já o segundo disco traz uma apresentação ao vivo na mesma San Francisco em dezembro de 1979, na boa casa noturna The Old Waldorf. O qualidade do show é impecável, no mesmo nível habitual, excelente, de suas apresentações. O destaque vai para a sequência final matadora: “Calling Card”, ”Shadow Play”, ”Bullfrog Blues ” e ”Sea Cruise”.
A questão é que, ao que tudo indica, Rory Gallagher tinha razão em abandonar as gravações de San Francisco. Sua genialidade produziu no final de 1978 “Photo-Finish”, lançado em 1979 e que rivaliza , na opinião dos fãs, com “Blueprint” (1973) e “Against the Grain” (1975) como o melhor da carreira do músico.
Rory Gallagher quase integrou os Roling Stones. A lenda diz que ele foi convidado a substituir Mick Taylor nos Rolling Stones na virada de 1974 para 1975. Keith Richards, o mestre das seis cordas da banda, estava irado com o que chamou de petulância de Taylor ao tentar “ensinar” aos outros membros como tocar.
Após a saída pouco amigável do colega, afirmou a uma revista inglesa que a banda tinha convidado Gallagher. Posteriormente, desmentiu e disse que os empresários dos Stones apenas fizeram uma sondagem. O irlandês nunca gostou de tocar no assunto. Sempre afirmou que foi apenas sondado, mas em algumas vezes disse que recebeu um convite formal de Mick Jagger.
Rory Gallagher parece ter sido redescoberto por um mercado blueseiro ainda fascinado pela maestria de Joe Bonamassa, que é um discípulo do irlandês – tanto que gravou uma versão de “Cradle Rock'' em seu primeiro álbum solo. Recentemente teve seis de seus álbuns dos anos 70 relançados em edições remasterizadas e com faixas-bônus.
O pacote inclui os seis primeiros álbuns solo de Gallagher: “Rory Gallagher” (1971), “Deuce” (1971), “Live In Europe!” (1972), “Blueprint” (1973), “Tattoo” (1973) and “Irish Tour ’74” (1974). A mistura furiosa de rock e blues encantou toda a cena britânica setentista, estupefata com o virtuosismo e com a pegada pesada e marcante. Os álbuns agora reeditados representam o auge do músico em termos de performance em estúdio e nos palcos.
Os dois álbuns ao vivo são mágicos e indispensáveis para quem gosta de rock e para quem quer entender a música britânica dos anos 70. Para muitos especialistas, Gallagher foi um guitarrista excepcional e os álbuns deste pacote demonstra isso, mas ele só atingiria a maturidade como cantor e compositor em duas obras posteriores, os também excelentes “Calling Card” e “Photo-Finish”, ambos editados na segunda metade da década de 70. O segundo, inclusive, é considerado o seu melhor trabalho.
“Deuce” e “Blueprint” em nada devem aos chamados “melhores álbuns”. Mostram um artista furioso, sedento por palco e inflamado, com solos improváveis e uma velocidade de deixar Alvun Lee (Ten Years After) e Robin Trower preocupados.
Seja em músicas próprias ou versões de canções inglesas ou blues norte-americanos, Gallagher imprime a sua personalidade, em gravações propositalmente cruas, que captam a força do guitarrista e de sua banda afiada e entrosada.
As performances ao vivo foram elogiadas por gente como Ritchie Blackmore e Roger Glover, do Deep Purple, Rod Stewart e Ron Woods, dos Faces (este último herdaria a vaga nos Stones) e por Pete Townshend, do Who. Era um músico de poucos efeitos, mas de muito feeling e muita energia, com um conhecimento absurdo de timbragens e amplificadores.
Foram 16 álbuns em 30 anos de carreira, desde o surgimento do Taste, sua primeira banda profissional, em 1965, até a sua morte, em 1995, causa por uma infecção hospitalar após um malsucedido transplante de fígado – era um beberrão de primeira e alcoólatra assumido.
Quando de sua morte, a revista Rolling Stone norte-americana colheu alguns depoimentos de músicos não muito importantes na história do rock: “Rory foi um dos grandes guitarristas de todos os tempos e um grande cavalheiro, uma pessoa muito simples”, declarou Bono Vox, líder do U2, outra banda irlandesa.