Antônio Candeia Filho, 17/8/35 - 16/11/78.
Filho de sambista, o menino Candeia até poderia guardar mágoa do samba. Em seus aniversários, ele contava com certa tristeza, não havia bolo, velinha, essas coisas de criança. A festa era mesmo com feijoada, limão e muito partido-alto. No Natal, a situação se repetia.
Seu pai, tipógrafo e flautista, foi, segundo alguns, o criador das Comissões de Frente das escolas de samba. Passava os domingos cantando com os amigos debaixo das amendoeiras do bairro de Oswaldo Cruz. Assim, nascido em casa de bamba, o garoto já freqüentava as rodas onde conheceria Zé com Fome, Luperce Miranda, Claudionor Cruz e outros. Com o tempo, aprendeu violão e cavaquinho, começou a jogar capoeira e a freqüentar terreiros de candomblé. Estava se forjando ali o líder que mais tarde seria um dos maiores defensores da cultura afro-brasileira. Arte negra era com ele mesmo. Compôs em 1953 seu primeiro enredo, Seis Datas Magnas, com Altair Prego: foi quando a Portela realizou a façanha inédita de obter nota máxima em todos os quesitos do desfile (total 400 pontos).(Leia+)
No início dos anos 60, dirigiu o conjunto Mensageiros do Samba. Em 61, entrou para a polícia. Tinha fama de truculento e suas atitudes começaram a causar ressentimentos entre seus antigos companheiros. Provavelmente, não imaginava que começava a se abrir caminho para a tragédia que mudaria sua vida. Diz-se que, ao esbofetear uma prostituta, ela rogou-lhe uma praga; na noite seguinte, ao sair atirando do carro num acidente de trânsito, levou um tiro na espinha que paralisou para sempre suas pernas.
Sua vida e sua obra se transformaram completamente. Em seus sambas, podemos assistir seu doloroso e sereno diálogo com a deficiência e com a morte pressentida: Pintura sem Arte, Peso dos Anos, Anjo Moreno e Eterna Paz são só alguns exemplos. Recolheu-se em sua casa; não recebia praticamente ninguém. Foi um custo para os amigos como Martinho da Vila e Bibi Ferreira trazê-lo de volta. De qualquer maneira, meu amor, eu canto, diria ele depois num dos versos que marcaram seu reencontro com a vida.
O couro voltou a comer nos pagodes do fundo de quintal de Candeia que comandava tudo de seu trono de rei, a cadeira que nunca mais abandonaria.
No curto reinado que lhe restava, dono de uma personalidade rica e forte, Candeia foi líder carismático, afinado com as amarguras e aspirações de seu povo. Fiel à sua vocação de sambista, cantou sua luta em músicas como Dia de Graça e Minha Gente do Morro. Coerente com seus ideais, em dezembro de 75 fundou a Escola de Samba Quilombo, que deveria carregar a bandeira do samba autêntico. O documento que delineava os objetivos de sua nova escola dizia: Escola de Samba é povo na sua manifestação mais autêntica! Quando o samba se submete a influências externas, a escola de samba deixa de representar a cultura de nosso povo.
No mesmo ano de 75, Candeia compunha seu impressionante Testamento de Partideiro, onde dizia: Quem rezar por mim que o faça sambando.
Em 78, ano de sua morte, gravou Axé um dos mais importantes discos da história do Samba. Ainda viu publicado seu livro escrito juntamente com Isnard: Escola de Samba, Árvore que Perdeu a Raiz.
Download da discografia do Grande Mestre do Samba Candeia
Escola de samba - Árvore que esqueceu a raiz - Candeia & Isnard
Esse livro é simplesmente uma aula de Samba. Nele, Candeia expressa sua opinião sobre as escolas de Samba. Diz como elas deveriam ser, de acordo com antigamente, do jeito que era bonito, "sem deturpação", como Ele dizia sempre. No livro Ele fala sobre cada quesito, o que é muito interessante, pois ele, junto com o jornalista e amigo Isnard, conta como as escolas de Samba foram se destruindo e esquecendo suas histórias e suas raizes. Candeia também fala da história da Portela e lista no livro todos os sambas-enredos que a Portela já apresentou, desde o início, com seus respectivos compositores. Candeia fala também sobre o Samba em geral, sua história, sua transformação, ou seja, Candeia resumiu sua insatisfação. Mais do que um livro, é um ato de protesto à deturpação do Samba, e é isso que tem de mais interessante em lê-lo.